Orlando Bellei Neto
21 Feb
21Feb

Muitas discussões sobre educação em nosso tempo giram em torno de respostas prontas, como se ensinar fosse apenas seguir um manual ou uma técnica. Mas, a realidade da sala de aula – ou de outros espaços formais e informais de ensino – é outra: não há modelo fixo que contemple a complexidade dos estudantes e suas trajetórias. O mundo é plural!


Desde Paulo Freire já sabemos como são os limites das aulas bancárias. Se antes já eram ineficientes, hoje elas são completamente obsoletas. O perfil dos discentes mudou porque o mundo mudou, e ignorar isso é insistir em espaços de aprendizagem que já não funcionam mais. 

A vida de quem busca estudar tornou-se mais complexa, resultado, principalmente, do contato direto com as novas tecnologias da informação e comunicação (NTICs) e das redes sociais. Há excesso de conteúdos, mas também desinformação e superficialidade. O contexto político, social e cultural globalizado transformou a realidade dos estudantes: a classe discente nunca foi homogênea ou universal – e agora isso se torna inegável.

Quem ocupa as salas de aula e outros espaços educativos, hoje? 

Nas escolas públicas, por exemplo, encontramos uma complexidade de vivências e subjetividades entre os discentes: estudantes de diferentes classes sociais; contextos sociais, culturais e geográficos; gêneros e etnias, além de outras diversidades, como as sexuais, as de pessoas com deficiência, neurodiversidades, imigrantes e refugiados (seja por questões humanitárias, climáticas ou de guerra), que às vezes impõem desafios até mesmo linguísticos. 



Na universidade pública, essa diversidade de sujeitos pode se intensificar, tornando-se ainda mais complexa: mães, idosos, trabalhadores precarizados e cansados pelas jornadas exaustivas, estudantes indígenas, vítimas de violência e tantas outras realidades emergentes do mundo contemporâneo. 

A questão principal, como nos lembra Freire, é que cada sujeito carrega consigo um mundo. Um professor que fecha os olhos para isso não está de fato ensinando – apenas recitando (e, às vezes, vomitando) conteúdos. É necessário, para além do domínio de uma disciplina ou tema, adaptabilidade, flexibilidade e, principalmente, sensibilidade para lidar com a diversidade humana que se impõe no contexto atual.

Conhecer os estudantes é essencial

O que gostam? O que ouvem? Sobre o que conversam? Qual o último filme ou série que assistiram? E isso não é simples, dada a pluralidade de experiências e visões de mundo presentes em uma sala de aula. Por este motivo, adaptar as ferramentas pedagógicas para que estes indivíduos se sintam parte do processo educativo é fundamental. 

Há uma infinidade de materiais disponíveis: vídeos, músicas, filmes, artigos, obras de arte, podcasts, influencers de redes sociais, entre outros. Mas o ponto principal não é apenas apresentá-los de forma bancária, e sim incentivar os alunos a utilizarem suas próprias referências para contribuir com o aprendizado coletivo.

Isso impõe um desafio: preparar aulas para essa realidade exige tempo. Muitas vezes, não seremos remunerados pelo trabalho extra de atender às demandas específicas de cada estudante de um espaço de educação. O tempo que se dedica a compreender a subjetividade de cada um para realizar uma troca educativa honesta, respeitosa e efetiva nem sempre é reconhecido. 

Para evitar sobrecarga, uma sugestão é equilibrar sensibilidade e autogestão, permitindo que as necessidades emergentes sejam percebidas e acolhidas, mas sem ceder à lógica produtivista e de alta pressão imposta pelo trabalho contemporâneo. Construir uma relação horizontal entre docentes e discentes, entre mestre e aprendiz, entre professor e aluno leva tempo e exige dedicação – e não há hora extra para isso. 


Criar um espaço de troca não é fácil, mas humildade e disposição para acolher, de forma honesta e horizontal, as experiências do outro fazem toda a diferença. Recentemente, em um processo seletivo para um cargo de professor de Sociologia em uma escola particular, ouvi de uma gestora escolar o seguinte: "Não estou aqui para contratar um profissional que seja amiguinho dos alunos, quero alguém que dê aulas". Ficou claro para mim que ela não compreendia o papel e os desafios da docência no mundo atual.


As pessoas costumam esquecer que a educação pertence às humanidades, e não por acaso, mas porque é, essencialmente, um campo de intercâmbio de experiências humanas. A técnica, a metodologia e as ferramentas pedagógicas devem servir a esse encontro que é o ensino – e não o contrário.


Como, então, apoiar efetivamente aqueles interessados no processo educativo, dentro de suas subjetividades? A resposta, certamente, está em uma educação dialógica e comprometida, que reconhece a diversidade dos estudantes e suas trajetórias. Não se trata de ser "amiguinho dos estudantes", mas de construir espaços de aprendizado onde eles possam se reconhecer como sujeitos ativos no processo educativo. É assim que surge o engajamento.


Para isso, é necessário oferecer acolhimento sem paternalismo, incentivar autonomia sem abandono e, sobretudo, ensinar com a convicção de que cada estudante carrega consigo um repertório que pode enriquecer a sala de aula.


A educação não é um produto, nem o professor um mero transmissor de conteúdos.


É uma construção conjunta – e isso exige tempo, escuta e, acima de tudo, humanidade. 

A docência não pode ser vista como um ato mecânico ou técnico e, por este motivo, não pode estar desassociada da realidade de quem aprende. As soluções para as problemáticas da Educação não estão em romantizar a sobrecarga docente, mas em criar espaços onde o aprendizado faça sentido, estimulando a autonomia e protagonismo do estudante.  

Afinal, ensinar sem escuta e sem humanidade é apenas despejar conteúdo – e isso, convenhamos, qualquer IA pode fazer.

Referências:
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 65. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2019.



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