Em tempo, este texto foi escrito por um aprendiz de consumidor do bom e digno café, portanto, está baseado em parte do que tem-se aprendido pela experimentação, escuta e aprendizagem. Dito isto, vamos lá!
A emocionante bebida da razão emerge das lonjuras árabes para chegar aos recônditos dos espaços científicos europeus, sobretudo, do século XVII. Possivelmente, representando os valores da Era das Razões, a altiva presença desta iguaria incentiva a sobriedade e a iluminação das ideias.
O historiador francês Jules Michelet, revelado por Leclant (1969) dizia, aliás, que se tratava de um poderoso alimento do cérebro…que eleva a pureza e a lucidez…que remove da imaginação as nuvens e seu peso sombrio.
Desde o Iêmen, a magia do saber e do sabor
Entretanto, outros relatos sobre a bebida remontam do século XV, junto ao Iêmen e à Etiópia, não é à toa, afinal, o vocábulo ‘café’ vem do arábico qahwah. A bebida da razão atende pelo nome científico Coffea sp., com mais de 103 variedades conhecidas, entre elas, o Arabica.
Sobretudo, o que é claro e límpido é que o café em grãos virou bebida de excelência pelo mundo. Sua disseminação desde o Golfo de Aden, aliás, foi atribuída fortemente à figura do acadêmico iemenita Muhammad al-Dhabhani, um Iman membro de uma ordem mística sufi (Islã), em meados de 1470, segundo Tom Standage.
Porém, muitas são as histórias e estórias que envolvem vultos sufis etíopes e iemenitas em torno da descoberta do uso do fruto, sempre partindo da cidade portuária de Al Mokka (Mocha - Iêmen) e se espalhando pelas rotas ancestrais de comércio.
Profissionais expressam e promovem o melhor do sabor do café
Este maravilhoso universo do café, porém, guarda aspectos ainda pouco percebidos do grande público. No entanto, percebe-se a olhos vistos uma vertiginosa ascensão do café nos últimos anos, aqui no Brasil.
Isso se deve ao fato de que tem havido um profundo e extenso trabalho de profissionais (homens e mulheres) em torno da bebida, sejam eles e elas pesquisadores universitários, extensionistas, pequenos produtores, cooperativas, baristas, sommeliers e empreendedores, enfim. Estas pessoas estão, de fato, profundamente voltados à produção de um saber, um discernimento maior e mais assertivo em torno do café e seu consumo. Mas, nem tudo são 'flores de café'.
Algumas verdades, em termos de Brasil, doem.
Só para ilustrar, aquilo chega à esmagadora maioria da população de consumidores não se trata do melhor café que se poderia ter ao alcance das xícaras no país. Isso se deve a um sem número de fatores que necessitariam outro artigo falando a respeito, tão somente. Então, vamos voltar à história.
Apesar de que as primeiras sementes só tenham chego ao Brasil, possivelmente, em torno dos idos de 1720, o café já estava associado, historicamente, às grandes revoluções sociais, científicas e políticas pelo mundo. Esta cadeia de fatos, ocorridos dois séculos antes em distintos cantos do planeta, criou uma cultura em torno do consumo do café, tanto que os lugares que o serviam comercialmente eram conhecidos pelo nome da bebida: cafés públicos.
Estes espaços eram, usualmente, erigidos junto às praças dos mercados. Em torno do café, surpreendentemente, também ascenderam o xadrez e o gamão, ambos jogos de tabuleiro com profundo cunho estrategista e que se universalizaram com as conquistas 'bárbaras' mundo adentro.
O levante de Varsóvia e a própria Revolução Francesa, por exemplo, segundo Standage (2005), foram idealizados em cafés, visto que era o espaço de concentração de pensadores em torno do hábito de degustar a bebida. Parte da história do Brasil, semelhantemente, foi circunscrita nas rodas de cafés pelos centros pulsantes do país, de sul a norte.
Isto levou à disseminação do café como atividade econômica que chegou, dada sua relevância, a constituir página da conjuntura nacional, período denominado Ciclo do Café. Ademais, este fenômeno comercial teve início com o contrabando de grãos da Guiana Francesa, desde meados de 1800 até a década de 30 do século XX. Igualmente, quando da execução do plano de reconstrução dos estados aliados na Europa (Plano Marshall), vários outros países tiveram que colaborar com recursos, muitas vezes, de cunho logístico, logo em seguida da Segunda Guerra Mundial (Standage, 2005).
De onde vem o café que você toma?
E, com o Brasil, não foi diferente. Contribuímos, sobretudo, com vários tipos de grãos e, o café, foi um deles.
Muitas décadas mais tarde, foi criado o Programa de Autofiscalização do Café Torrado e Moído, promovido pela Associação Brasileira das Indústrias de Torrefação e Moagem de Café (ABIC), lançado em 1989 e chamado, domesticamente, de Selo de Pureza.
Este programa regularizava o grado máximo de impurezas, ainda extremamente elevado, diga-se oportunamente, fazendo com que a população deixasse de ter o hábito de torrar o café em casa, pois ele passou a lhes chegar da indústria. Note-se que, quanto mais torrado e escuro é o café, maior é a probabilidade de que a torra tenha sido feita para mascarar imperfeições ou elementos estranhos.
Até os dias de hoje, aliás, a grande maioria dos consumidores nem sequer imagina de onde vem e o que contém o café que consome, sobre o grau de sujidade, e de igual maneira, não têm ciência se este fruto é ou não obtido através de lavouras onde o trabalho escravo ainda é mantido. Por estes motivos, é sumamente importante conhecer a origem dos produtos, quem são os produtores e os métodos utilizados.
Queremos tomar o melhor café possível
Esta desinformação, portanto, objetiva massificar um consumo inconsciente, não oportunizando criticidade na escolha e no preparo do bom café. O alto grau de sujidade ainda presente no chamado ‘café tradicional’ brasileiro mascara o perfeito e equilibrado sabor que esta bebida carrega quando seu processo é feito com o máximo de cuidados.
Tal cadeia de eventos criteriosos e especializados que se espera de um café digno é desencadeada desde a plantação, a escolha dos grãos até a finalização do cultivo e serviço. Especialistas na área afirmam que, quando o café é puro e torrado de maneira adequada, não se desenvolve carbono (fuligem).
Portanto, isso o torna uma bebida extremamente prazerosa, rica em antioxidantes.
Além do sabor, muitas pessoas ainda questionam sobre qual a quantidade ideal para consumo diário de café.
Na verdade, a preocupação deveria residir sobre como aquele grão chegou até ali, como foi sua produção na origem, com que qualidade de pó de café se está preparando a bebida, entre outros aspectos. Porém, apenas para exemplificar, segundo alguns baristas, um espresso é feito com 7g de café para 25ml ou 35ml de água, levando em consideração a certificação do produto que se têm à mão.
O café e as sensações
Um dos grandes objetivos em torno do café é, sem dúvida, a reunião de pessoas que apreciam as sensações que a bebida promove. Em síntese, pessoas se interessam e se envolvem, desde sempre, no hábito de produzir, preparar, servir e degustar a excelência da bebida.
Um café especial, comumente atribuído à variedade Arábica, é reconhecido pela delicadeza de seus aromas, aliás. Neles, é provável se perceber toques de frutas e flores, de pão tostado, especiarias, caramelo, cacau, aromas de confeitaria, entre centenas de outros tons.
Os cafés, no entanto, com mais notas de defeito e imperfeições são aqueles, portanto, que irão apresentar maior grau de sujidade, misturas de outras substâncias. Possivelmente, os sabores e aromas presentes serão de madeira molhada, terra, gosto de plástico, entre outros tons negativos.
Muito possivelmente, o café que se encontra mais acessível à grande parte da população brasileira seja, quem sabe, das variedades Robusta e Conilon (ambas da espécie Coffea Canephora), geralmente chamado de ‘tradicional’. Porém, para alguns especialistas e fiéis tomadores da bebida, este 'tradicional' remete ao aroma de madeira queimada, cinzas, cheiro e gosto de remédio ou petróleo.
Então, é bom considerar que, assim como o vinho, o café especial que se merece sorver tem um terroir.
Esta origem, portanto, lhe confere qualidades notáveis, gostos mais apurados tendendo à presença de acidez elevada ou pronunciada, isto, sobretudo, caso se parta do pressuposto que a todo o seu processo esteja sendo realizado de acordo com as normas e critérios internacionais.
O café e o açúcar
O hábito brasileiro de tomar o melhor café, o café digno, ainda está sendo formatado, enfim. Todavia, o brasileiro ainda tem o costume de adicionar açúcar à bebida, o que não é recomendado. A supressão do açúcar é uma sugestão dada para que a degustação de coados e prensados seja um acontecimento. O trabalho do barista, diga-se de passagem, também está associado a gerar uma experiência mais pura de paladar aos clientes.
Isto se deve a uma série de motivos óbvios e outros mais específicos, sabendo-se que o café especial é, naturalmente, de sabor adocicado.
A adesão de novos apreciadores de café só aumenta, surpreendentemente, graças, também, ao exigente trabalho e à responsabilidade de professores pesquisadores, especialistas e baristas. Eles detêm, portanto, o desafio e honra de contribuir com a educação do paladar dos novos consumidores de café.
O blend, por sua vez, pode ser desenvolvido para alcançar certas notas de gosto e aroma que identifiquem e personalizem o café a ser servido. O café que você estará tomando amanhã, por exemplo, poderá estar elaborado com o blend Cerrado, de acidez específica, mesclado às variedades Peneira 15, da Fazenda Esperança, com Brejetuba e Peneira 15, da Fazenda Congonhas de Patrocínio – MG.
Todo este empenho deve estar associado a um manejo na origem, lá na roça de café de pequenos produtores da agricultura familiar, alcançando a excelência na capacitação em métodos de beneficiamento e torra, entre outros tantos aspectos. E tudo isso, portanto, pode e deve chegar à mesa dos consumidores brasileiros, longe daqueles indesejáveis sabores químicos que afastam o paladar e o olfato da melhor experiência.
Existem inúmeros cafés para os mais variados paladares, que também dependem das variações de clima e regionalidade (terroir). Pode ser, por exemplo, um café arábica orgânico originário de locais como o Sul de Minas, Alto Caparaó, Chapada Diamantina, Matas de Minas, Serra da Mantiqueira, Cerrado, enfim.
Porém, seria realmente especial é que todos estes produtos seguissem os rigores recomendados.
Para ir-se mais fundo, no entanto, é oportuno que nos aventuremos entre as infinitas possibilidades, experiências e saberes por trás de cada benfazeja xícara de café. Então, está sentido aquele aroma inebriante deste sumo especial?
Não perca tempo. A qualquer momento que lhe seja oportuno, permita-se clarear as ideias e recompensar seu corpo com os melhores cafés especiais disponíveis no mercado. A experiência recomenda e nós também.
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Referências
LECLANT, Jules. O café e os cafés em Paris. Revista de História, São Paulo, v. 39, n. 79, p. 69–83, 1969. DOI: 10.11606/issn.2316-9141.rh.1969.128816. Disponível em: https://revistas.usp.br/revhistoria/article/view/128816.. Acesso em: 06 maio 2023.
STANDAGE, Tom. A história do mundo em seis copos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.