Nos próximos parágrafos, me desafio a relatar fagulhas de percepção depois de três meses vivendo na zona rural (Cascata, 5ª distrito de Pelotas - RS). Aos 44 anos de vida fundamentalmente urbana, realizo este antigo desejo pessoal que nasce de uma noção própria muito clara, desde sempre.
Um encantamento absoluto pelos mistérios da vida que me faz sentir parte. Essa clareza de “ser parte” é algo muito particular e cada pessoa percebe a seu tempo. Apesar de que, para muitos, esse tempo pode nem chegar. No entanto, o convite está sempre “por aí”, tal como um esporo de fungo flutua aleatoriamente até encontrar (ou não, vale considerar) algum ambiente morno, úmido e sombreado para que seu ciclo de vida possa prosseguir às fases seguintes de seu desenvolvimento.
Me sinto assim, recém “semeado” em um ambiente que, aparentemente, potencializa minhas capacidades. Consigo observar melhor os pequenos avanços diários rumo ao meu propósito em vida, assim como um micélio se percebe expandindo sua rede micelial até que possa frutificar e, assim, se mover ao encontro de seu propósito.
Nem sempre o esporo encontra um ambiente favorável ao seu desenvolvimento. Assim como nem sempre o ser humano encontra ambiente favorável ao seu, nem sempre tem discernimento para identificar “seus pares”. Nem sempre encontra em si a direção da própria jornada. Precisamos uns dos outros. Para isso, precisamos compreender, entender uns aos outros.
Nem todo ser se vê em uma jornada. Há quem apenas exista de forma vaga, aleatória e geralmente confortável. Assumir a jornada e os sucessivos embates internos em torno do ego também requer sucessivas renúncias. Porém, o não enfrentamento de si (tal como somos e não como gostaríamos ou projetávamos) requerido pela jornada pessoal vai causando uma espécie de acúmulo consecutivo de medos. E sim, eles se acumulam, se sobrepõem, se complementam, e pior de tudo, lançam seus tentáculos sobre quem tiver alcance.
Agora que você superou a parte dos medos (parágrafo anterior), voltemos à jornada. Dias atrás de janeiro fui semeado aqui na Cascata. Sim, “semeado”. Como um esporo quando encontra ambiente úmido, quente e sombreado, lembra? Na vida rural tenho explorado potenciais. Tem sido um ambiente favorável à germinação de vários potenciais. Sim, “germinação”. Como aquele exato momento que o embrião da semente rompe a casca e dá início à jornada em direção à luz.
Animais, plantas e granitos que afloram nos cerros da Serra dos Tapes se movimentam o tempo todo. Se transformam o tempo todo (“dá pra ver”). Esses movimentos e transformações transpassam dimensões quânticas, moleculares e de organização celular. A vida, para quem a observa com a curiosidade da criança interior (que não tenha sido soterrada por sugestões e/ou interesses externos), está nos ofertando aprendizados profundos o tempo todo, em cada movimento, mesmo que raso, mesmo que mínimo. Sempre há o que aprender observando.
Somos tripulantes de um planeta ÚNICO (em letras maiúsculas mesmo) e, inclusive, improvável. Cada interação entre cada elemento planetário propicia aprendizados e compreensões irrestritas. Vivemos em contato com elementos que propiciam a expansão dos sentidos e das capacidades humanas.
Mas... este caminho é atraente? Bem... depende. A quem se aventure na jornada do autoconhecimento, o caminho das descobertas do mundo externo acaba dando acesso, também, às descobertas do mundo interno, do universo individual e singular. Aquele universo íntimo que revela a essência de cada um. O que pensamos ou fazemos quando não nos sentimos observados revela boa parte de quem somos de fato.
Nesse ponto, o que se descobre nem sempre é o que nos agrada, e a forma como encaramos a própria verdade define nossa atitude no momento de escolher entre vivermos “vagos” ou encararmos a jornada do caminho do autoconhecimento como um caminho de cura pessoal. Cura sim, porque se o mundo se apresenta, o caminho da cura em um mundo doente requer escolhas que podem colocar muitas de nossas estruturas em “cheque”.
A decisão de morar no campo representa a reconexão com minha jornada pessoal. Aqui me sinto melhor posicionado para os desafios e enfrentamentos que virão em companhia e que ainda desconheço em grande parte. O que sei é que me sinto pronto e disposto ao processo!
Me arrisco a dizer que minha vida no campo representa uma espécie de segundo plano de saúde. O primeiro é a bicicleta. Uma das primeiras coisas que fiz aqui “fora” foi começar a plantar algumas coisas, como melancia, abóbora, milho, feijão, manga. E a expectativa de ver o ciclo completo destes vegetais tem me causado uma “estranha” vontade. Assim que me acordo, nos primeiros raios de sol e antes mesmo de lavar o rosto, me pego indo pra rua conferir se alguma semente germinou, o quanto minhas plantas cresceram, se já estão em flor, se o fruto amadureceu ou se precisam de algum cuidado.
Parece que esse padrão de “cuidado” vai se expandindo a outras dimensões da vida e também molda nosso jeito de ser e de lidar também com as espécies não vegetais. Parece até ser de forma inconsciente, mas não raras são as vezes que me pego tendo mais atenção também nas relações sociais e nos afetos. Não que isso seja uma regra, mas talvez seja sempre uma possibilidade latente a quem caminha atento à jornada.
Minha aproximação com a natureza representa uma busca por ambientes que causam encantamento, considerando que o encantamento é ingrediente indispensável à inspiração. Aqui, rodeado de biodiversidade e sons do silêncio, me vejo semente.
Me percebo imerso em múltiplas germinações. Me identifico, me reencontro e me percebo desenvolvendo potenciais que sempre me encantaram, e que por razões mundanas, muitas vezes me vi perdido em meio às distrações.